Viver um Mundo Antigo
Criação Artística e Produção de Memória em Contexto Rural
Exposição e Conferência no âmbito das atividades paralelas de:
Antropologia em Contraponto
V Congresso da Associação Portuguesa de Antropologia
Vila Real (PT), 8 a 11 de Setembro de 2013

Exposição retrospetiva
Foyer do Teatro Municipal de Vila Real
9, 10 e 11 de Setembro, 14h00 – 24h00

Com obras de:

Duncan Whitley (GB)
Joana Nascimento (PT)
Manuela Barile (IT/PT)
Rui Silveira (PT)
Steve Peters (US)

Conferência contextualizadora
Por Luís Costa (presidente da direção da Binaural/Nodar)
Auditório do Teatro Municipal de Vila Real
9 de Setembro, 21h30

A Binaural/Nodar, uma organização cultural com epicentro na região montanhosa do Maciço da Gralheira (São Pedro do Sul) e que se dedica ao acolhimento e produção de criações artísticas sonoras e media e a recolhas audiovisuais de carácter antropológico e paisagístico, atuando sempre com uma profunda ligação ao contexto geográfico e social envolvente, apresenta uma exposição sonora e videográfica dividida em vários núcleos narrativos, os quais pretendem conjuntamente problematizar alguns sentidos da produção de memória e da criação artística em ligação com territórios e comunidades específicos: as tipologias de trabalho de campo, a influência da subjetividade do artista, a pertinência do real enquanto tela criativa e a criação artística enquanto parte da memória futura.

Concretamente, a exposição “Viver um Mundo Antigo” foca-se em cinco artistas associados à Binaural/Nodar que desenvolveram trabalho artístico na zona de Nodar entre 2008 e 2011. Foi definido um itinerário narrativo que acompanha o processo de conceptualização e de desenvolvimento em residência das obras artísticas até à obra final, documentando-se, para cada encontro contigente entre artista e contexto, as respectivas motivações, condições, desafios, elementos do real e sistemas de representações em jogo.

Os elementos narrativos apresentados na exposição para cada artista são os seguintes:

1 – Proposta de projeto artístico apresentada inicialmente
2 – Documentação fotográfica do trabalho de campo
3 – Entrevista vídeo com o artista sobre o projeto artístico
4 – Texto final do artista sobre o processo e a obra criada
5 – Obra sonora/videográfica criada

Artistas e obras:

Duncan Whitley | “G.D. Parada” | Outubro 2008, Setembro 2009
“G.D. Parada” é um projecto sonoro e vídeo centrado num pequeno clube de futebol amador, Grupo Desportivo de Parada, localizado na pequena aldeia de Parada de Ester (Castro Daire), vizinha de Nodar. O G.D. Parada constitui um motivo de orgulho local, jogando na Divisão de Honra da Associação de Futebol de Viseu. O projecto foi estruturado para explorar a importância do G.D. Parada dentro da comunidade local, através de um trabalho de captação de paisagens sonoras focado na equipa, quer nas sessões de treinos quer em competição. O registo das sessões de treino envolve uma série de técnicas de gravação de campo, estéreo e multicanal, de forma a captarem os sons das jogadas estudadas e dos exercícios. O projecto teve uma primeira residência em Outubro 2008, cujos resultados preliminares foram apresentados no bar do G.D. Parada na forma de uma instalação sonora e vídeo, a qual precedeu um intenso jogo com a equipa rival do Lamelas. Na segunda residência foram efectuados registos sonoros e vídeos adicionais e foi preparada uma instalação sonora multicanal final, estreada no Museu de Serralves em 2010.

Duncan Whitley licenciou-se em Belas Artes na Universidade de Kingston, onde estudou entre 1996 e 1999, trabalhando quase exclusivamente em instalações sonoras. Nos anos seguintes o seu trabalho continuou a focar-se em intervenções “site specific”, produzindo um corpo de trabalho apresentado quer em espaços artísticos convencionais como em “espaços não artísticos” (desde ambientes domésticos, passando por apartamentos abandonados, até igrejas Anglicanas). A partir de 2004 a sua prática concentrou-se em gravações sonoras de campo estéreo e multi-canal, desenvolvendo um arquivo significativo de projectos na área da fonografia. O seu trabalho sonoro documenta os rituais associados a eventos sociais: as procissões altamente formais da Semana Santa em Sevilha; as dinâmicas dos adeptos em várias ligas do futebol Inglês; os processos de demolições controladas de edifícios de apartamentos em Inglaterra e na Escócia.

Joana Nascimento | “SimLugares” | Abril 2009
“SimLugares” é um projecto que se interessa por território e paisagem, no sentido da relação entre pessoas num contexto (rural), e interacção entre pessoas e espaço (de que fazem uso e propriedade). Resistindo à leitura de não-lugares (Marc Augé), interessa à artista antes uma ideia de lugar comum associada ao reconhecimento psicogeográfico do lugar. Segundo Henri Léfebrve (pensador de cariz marxista), a activação de um lugar faz-se pelas suas dinâmicas, e o próprio significado de um determinado espaço tem menos a ver com a sua construção em si mesma, mas com os usos que permite. Neste projecto a artista procurou produzir um conjunto de mapas (mentais, conceptuais, cognitivos) baseados em indicações orais da população local em torno de práticas pessoais no espaço da aldeia de Nodar. Trata-se de procurar entender o lugar no sentido das imagens, memórias, usos que lhes estão associadas, e através destes elementos e expôr o modo como as pessoas se relacionam com a paisagem que as rodeia.

Joana Nascimento é uma artista visual portuguesa. Licenciou-se em Artes Plásticas – Escultura pela Faculdade de Belas Artes do Porto, onde actualmente desenvolve uma investigação intitulada “Territorialização dos Espaços, [In]Visibilidades – Uma Abordagem ao Espaço e Tempo Performativo nas Práticas Artísticas para o Espaço Público”, no âmbito do segundo ano do Mestrado em Arte e Design para o Espaço Público. Em 2006/07 Obteve formação extracurricular em Cenografia e Intermedia na Akademia Sztuk Pieknych w Krakowie, Polónia. Faz parte do colectivo multidisciplinar “Inner-city”, cujos interesses se centram em abordagens locais ao espaço público e participou em várias exposições colectivas em Portugal, Espanha e Polónia.

Manuela Barile | “Rheîa Zóontes” | Fevereiro 2010
A felicidade é a percepção e o sentimento da própria ilimitada expansão entendida em seu redor como encontro e fusão. A felicidade é pensada muitas vezes em termos do instante, mas na realidade é uma condição que se pode prolongar ao longo da vida. Rilke falava do “imenso instante”, aquele que se dilata como se o tempo se tornasse espaço. Quando os gregos antigos afirmavam que os deuses eram felizes, usavam a expressão “reia zoontes”, ou seja o seu viver fluía sem obstáculos. A felicidade é como um rio que flui. Um rio que corre sempre numa direcção. Neste seu fluir constante, encontra obstáculos, altera a sua forma e identidade, acolhe memórias, tradições e experiências. O rio Paiva e seus afluentes é caracterizado por lugares nos quais se fixaram pequenas comunidades. Estes lugares, como Pendilhe (concelho de Vila Nova de Paiva) onde a artista realizou o trabalho de campo, considerados invisíveis pela gente urbana, representam no entanto para estas comunidades a extensão da sua própria casa, são lugares aos quais não podem renunciar. Aqui a gente vive de simplicidade e de essencialidade. Esta gente vive deixando-se fluir como um rio. Rheîa Zóontes (do grego “aqueles que escorrem sem obstáculos”) é, para a artista, a gente de Pendilhe, a gente que vive naquelas montanhas, os verdadeiros detentores da “makaria” (que em grego significa, “beatitude, felicidade como expansão, que não conhece interrupção, como um estado fluente, ou seja, como um rio”), pois com simplicidade e autenticidade, ensinam-nos o que é a felicidade, reportando-a ao seu significado original.

Manuela Barile (n. 1978) é uma artista de origem italiana que vive e trabalha na região rural do maciço da Gralheira (S. Pedro do Sul) desde 2006. Aí desenvolve projectos em estreito contacto com as comunidades locais, tendo em conta aspectos específicos do território como a tradição, a memória, os símbolos e os rituais depositados no solo como marcas indeléveis. O seu trabalho artístico combina antropologia visual e sonora, documentário, vídeo arte, performance art e performance vocal, tocando questões íntimas como a morte, a pobreza, o trabalho, a felicidade, a emigração, etc. A arte de Manuela Barile é uma investigação contínua sobre a realidade, sobre o estar no mundo, sobre a experiência pessoal. Usando como ponto de partida a sua própria existência e a de pessoas comuns, o trabalho da artista é capaz de transformar a experiência individual num lugar de projecção colectiva. Como performer vocal, embarcou em 2001 num percurso pessoal na área da experimentação vocal aplicada à improvisação livre. A artista baseia-se no uso de “técnicas vocais estendidas” focadas na relação entre voz, corpo, paisagem sonora e propriedades acústicas dos lugares. Manuela Barile é presentemente diretora artística da Binaural/Nodar, organização para a qual criou inúmeras obras audiovisuais, muitas das quais co-financiadas pelo Governo de Portugal e por fundações privadas em Portugal e em Itália (“Moroloja”, “Locus in Quo”, “Oikos”, “Rheia Zoontes”, “A Esposa” etc.). As suas obras foram exibidas em múltiplos festivais e espaços expositivos nacionais e internacionais: Australian International Experimental Film Festival, Cologne OFF, Óptica Madrid, Óptica Buenos Aires, Videoholica, Festival Internacional de Cinema de Camden (US), Marco (Vigo), Espaço Isto é Normal (A Corunha), Museu Bienal de Cerveira, Espaço Performas (Aveiro), Teatro Viriato (Viseu), etc.

Rui Silveira | “Abrigo” | Abril 2009
Numa região onde a arquitectura tradicional sofreu enormes transformações – resultantes não só da introdução de novos materiais e técnicas de construção, mas também pela importação de modelos arquitectónicos estrangeiros – sentimos muitas vezes que existe um tempo diferente em torno das construções que ainda mantêm as características originais da região. Estas casas, muitas das quais foram abandonadas, mais que simples abrigos, foram locais essenciais da vida diária da família. Estes gestos e acções extintos ecoam ainda nos seus muros de pedra. São memórias evocadas pelas divisões vazias, relatos de habitantes que ainda as lembram vivas, objectos que, deixados para trás, nos contam histórias. Pode falar-se de um tempo diferente dentro destas casas, um tempo indiferente à nossa presença, indiferente ao presente, um tempo que nos fala da identidade do território, de uma maneira muito própria de o construir e habitar que, pelo uso dos materiais, se relaciona quase mimeticamente com a paisagem natural. Partindo de relatos dos habitantes e gravações da ambiência destes locais, surge um objecto audiovisual híbrido que relaciona uma visão documental com outra linguagem mais experimental em torno do universo sonoro dos materiais usados para a sua construção – a pedra e a madeira.

Rui Silveira nasceu em Campo Maior em 1983 e vive em Lisboa. É licenciado em Design de Comunicação na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa e embora a sua formação tenha sido em grade parte orientada para o design gráfico, sempre tentou dirigir os seus trabalhos para os meios audiovisuais. As relações entre som e imagem (vídeo ou fotografia) captaram desde o início a sua atenção e interesse. Participou com trabalhos no Festival Collision em Londres e nos Rencontres Internationales em Paris e ganhou em 2011 o primeiro prémio do festival de curtas metragens Vista Curta com o seu filme “Abrigo” realizado no âmbito de uma residência artística na Binaural/Nodar.

Steve Peters | “Lições dos Antepassados” | Julho 2011
Steve Peters realizou um trabalho sonoro combinando os seguintes elementos: gravações de campo de sons ambientais e do toque dos sinos das capelas, ambos captados na freguesia de São Martinho das Moitas; processamentos electrónicos de alguns desses sons; textos falados por habitantes que evocam a paisagem regional, constituídos por nomes de habitantes falecidos e nomes de plantas e animais locais, alguns cantados em latim. Esses vários elementos foram tecidos em conjunto para criar um retrato sonoro sugestivo da paisagem regional e da relação humana colectiva a esses lugares através da linguagem.

Steve Peters (n. 1959) faz música e som para uma grande variedade de contextos e ocasiões usando gravações de campo, objectos naturais e encontrados, electrónica, vários instrumentos musicais, e texto falado. Atento às nuances subtis da percepção e dos lugares, o seu trabalho muitas vezes é site-specific e tende a ser contemplativo. Steve Peters participa em projectos como membro da Seattle Phonographers Union, e também trabalha como produtor freelance, escritor e curador. Desde 1989 tem sido director de Nonsequitur, uma organização sem fins lucrativos que realiza eventos de música experimental e arte sonora, actualmente através do Ciclo de Música Wayward no Chapel Performance Space, em Seattle.[:]