Locais abandonados

Os artistas intermédia brasileiros, Sérgio Bonilha e Luciana Ohira irão proceder com casos de investigação criativa sobre a percepção extra-sensorial de experiências fora do corpo, relacionadas ao que um poderá chamar de “mobilidade da alma”; O artista sonoro italiano Riccardo Bertan irá assumir a sua condição de turista para trabalhar sobre a lenta e parada correspondência que contrasta com os ritmos do quotidiano; O artista sonoro americano, agora residente em Berlim, Pierce Warnecke propõe a procurade caminhos que levam ao nada e ao desenvolvimento de conclusões criativas; O artista português João Farelo, irá estabelecer um contacto directo entre ritmos passados e correntes de pastoral e transumância. Por fim, o coletivo GMURDA, (composto por Tiago Carvalho, Bruno Caracol, Aleksandra Vercauteren, Pedro Ferreira e Odair Monteiro) tem-se dedicado a perscrutar vários locais abandonados e esquecidos (um símbolo perfeito da mobilidade da vida, um que pode ligar-se à emigração ou até mesmo à morte), na Área Metropolitana de Lisboa com o propósito deactivá-los sonoramente com o desenvolvimento de improvisações sonoras e corporais envolvendo materiais encontrados. A metodologia de exploração dos lugares é apócrifa. Inscreve-se, depois de surgir espontânea, através da reciprocidade entre aquilo que os lugares nos doaram e o que neles rabiscamos, como uma criança diante de um papel e um estojo de lápis de cor. Os lugares não são assim descobertos, mas inaugurados, sempre re-aparecendo num encontro concreto que ocorre naquela efémera baliza temporal, fora das coordenadas que os definiam elimitavam ou das funções que os justificavam. A entrada é então negociada com vedações, muros ou serventias apertadas. Os interesses de cada um vão se desdobrando na exploração de tais espaços e é aí que os rostos da violoncelista, do pintor, do tradutor-baterista, do pai e do desempregado perdem os rótulos categóricos e se conjugam numa vontade comum de descoberta sonora.

-A piscina sem água ou nadadores;

-A bateria sem armas ou soldados;

-A cisterna sem sedes para matar;

-O restaurante sem clientes e vitualhas;

-A escola sem alunos e professores;

-O silo sem cereais e sem bocas que queiram farinha;

Todos estes espaços permanecem, mas já não existem enquanto ligados ao propósito para o qual foram desenhados. Subsistem, orgulhosos, na sua inércia monumental, num abraço de pedra todos os dias oferecido aos transeuntes. Mais do que desertos ou ruínas estéreis, acreditamos serem territórios prenhes, aptos a dar os reflexos que lhes oferecemos. Não estão esgotados ou falidos para lá de uma conjuntura político-económica que determinou oseu encerramento. Continuam a povoar a cidade, convidando a uma leitura que não é mais do que a partilha de uma vivência comum. Podemos assim ver cada lugar como expressando um vocabulário próprio, cujas palavras são estilhaços, vidros, reboco, azulejos, embalagens, ferrugem e madeirame e que pontuamos com a nossa presença, detalhando em conjunto os pormenores do seu abandono. Cada estrutura vai respirando a sua morte e nós recuperamos esses bocados da sua decadência, retirando-os dos seus caixões silenciosos e insuflando-lhes uma breve vida sonora. Estacionados, guardam a memória de um certo uso, de outros gestos, de alguns corpos. Trazemo-los para o nosso agora pelo movimento e pelo som; porque este é, em si, profundamente relacional. Ele fala e expande os conteúdos invisíveis dos objectos através do (con)tacto entre duas superfícies. Boicota o isolamento da interioridade de cada um, a pretensa indivisibilidade solitária que impede a comunicação entre seres. O som é essa ponte possível mas necessária, a síntese viva de um encontro entre duas entidades que se julgam distintas. Ouvindo aprendemos a ser.

GMURDA começou o seu percurso no RDA69, espaço colectivo nos Anjos, em Lisboa, de onde herdou parte do seu acrónimo. Desde Novembro de 2012, visitou espaços como a Piscina do Areeiro, o Restaurante Panorâmico de Monsanto, a Bateria Militar da Trafaria, Quartel da NATO na Costa da Caparica, a Escola Técnica Afonso Domingues, o Complexo Industrial do Barreiro, entre outros.

GMURDA são:

Aleksandra Verkauteren

Nasceu em Gooik, Bélgica, em 1987. Quando não está a fazer investigação em linguística, faz as vezes de maestro numa banda de samba. Tocou violoncelo na banda Kajcata e pertenceu à orquestra da Universidade de Gent e da Escola de Música Municipal de Gooik. Gosta de comer e cozinhar, especialmente plantas, hortas e mezinhas caseiras.

Bruno Caracol

Vive em Lisboa. Em 2012 participou do evento ‘Ora Bolas, Há Espaço, Vamos Usá-lo’ com a instalação ‘Tina’. Entre 2009 e 2011 colaborou na produção da residência artística “Capacete”, no Rio de Janeiro. Neste período, participou do encontro V:E:R, na Terra Una, Minas Gerais, do programa de exposições do CCSP, em São Paulo e junto com Maria Moreira e Marcelo Wasem, organizou o ciclo Jogos de Escuta, sobre/com vários coletivos de artistas do Rio de Janeiro. Nos últimos anos viveu em Buenos Aires, Granada e Mem-Martins.

Odaír Monteiro

Emigrante de Cabo Verde, cresceu e foi educado nos bairros sociais da periferia lisboeta.Tem explorado a ilustração, teatro, trabalho com crianças enquanto cozinha em ambientes subversivos ou pedala para entregar encomendas.

Pedro Ferreira

Desde os Anjos, em Lisboa, participou em várias performances com base em textos dramáticos de Peter Handke (Insulto ao público) ou do universo do heavy metal. Des(organiza) sessões essencialmente de poesia beat musica da com alguma regularidade. Viveu em Berlim e Graça, e disfruta passar-se por baterista de uma banda de rock bem como grafitar em passadeiras.

Tiago Carvalho

Vagueia em Lisboa desde 1981. Licenciado em Engenharia do Ambiente, Pós-Graduação em Planeamento Regional e Urbano e mestre em Filosofia e Estética da Natureza e do Ambiente. Colaborou na Rádio Zero até 2006. Foi bolseiro de investigação em paisagens sonoras no Instituto Superior Técnico. Participou na residência artística promovida por Binaural NODAR com Luís Costa, Patrick Mckinley e Marja Lisa-Plats em 2010 no âmbito do Paivascapes 2011; Com o seu texto “A estética do som na paisagem e na arquitetura” contribuiu para o livro “Filosofia e Arquitectura da Paisagem: um Manual”, CFUL, 2012. Quando não caminha, pedala e quando não pedala escrevinha.