«A barreira entre o observador e os objectos observados cai.
Ao mesmo tempo o objecto perde o seu próprio contorno definido,
e expande-se por todo o universo
até ao ponto em que parece abarcar o mundo todo por dentro,
penetra o observador como um mundo inteiro até ao ponto em que o ambos os seres,
sujeito e objecto, do mundo, se fundem num todo»

V. Zuckerkandl, Sound and Symbol. Music and External World.

OIKOS

Acção vocal e sonora em contexto específico por Manuela Barile

O espaço é uma extensão indefinida e não circunscrita com uma capacidade ilimitada de conter corpos. O lugar é uma porção do espaço ocupado e que é possível ocupar fisicamente ou psiquicamente.

O espaço é abstracto, o lugar é concreto. Espaço é liberdade; lugar é segurança. Espaço é recordação, sentimento e pensamento. A nossa vida não pode ser contada e representada sem a referência dos lugares. O lugar é uma estrutura tecida de relações e experiências. Por isso, amamos e odiamos os lugares, enquanto que os espaços são simplesmente medidos.

O arquétipo do lugar é um conjunto que aproxima, enquanto que o arquétipo do espaço é o intervalo, isto é, a separação, o limite, a fronteira e por esse motivo conflito.

De que modo sentimos e imaginamos lugar e espaço? O que influencia estes processos? Como é que o espaço se transforma em lugar e, inversamente, o lugar em espaço? De que modo o tempo e som entram nestas transformações espaço-lugar e lugar-espaço?

Estas questões são a base para “Oikos”, uma performance site-specific de Manuela Barile que integra as pesquisas supracitadas como parâmetros estruturais para este trabalho multidisciplinar.

A casa é um lugar; a casa é uma metáfora para o nosso corpo e é igualmente o nosso pequeno Universo. Quando estamos na nossa casa, sentimo-nos protegidos, no entanto quando estamos na nossa casa vazia sentimo-nos perdidos. O lugar-casa transforma-se novamente em espaço.

Em “Oikos”, o espaço performativo é transformado numa espécie de casa, uma casa vazia, uma casa abandonada. A acção tem em consideração dois níveis: o vertical, representado pelas paredes, as escadas, o próprio edifício; e o horizontal representado pelo chão, o balcão, o patamar, o terraço.

A parede é uma guardiã de memórias na qual a performer concede sons com a sua voz. A parede é simultaneamente amiga e inimiga; prisão e abrigo.

O chão é o lugar onde a artista se movimenta, onde ela se desloca, delineando trilhos definidos de acordo com as características físicas e acústicas do lugar, do posicionamento do público.

O espaço de performance torna-se num instrumento musical e os seus objectos transformam-se em objectos sonoros para uma composição em tempo real.

A acção começa e acaba com um trabalho a capella com voz a solo. No seu decurso a performer passa por diferentes lugares imaginários (o mar, a igreja, a cozinha, um campo nas montanhas, etc.) para descrever situações do dia a dia vividas por artistas ou pessoas que ela conhece.

A voz da artista move-se desde sons cristalinos e subtis (que relembram o canto das sereias, o canto de um pássaro isolado, etc.) até sons selváticos e sombrios (lamentações, cânticos de morte, etc.). A improvisação da artista passa desde situações trágicas e dramáticas até ao cómico e alegre, aplicando um espelho às condições da existência humana.

O movimento da performer embora vocalizado, sempre a aproximar-se e a afastar-se do público, conquista activamente o ouvinte num jogo de distância (perto-longe) e direcção (alto-baixo / esquerda-direita).

A voz da performer é ouvida simultaneamente de forma acústica (em certas ocasiões) e electro-acústica. Ao usar microfones de contacto, tanto os sons do seu corpo como os sons do exterior da sala e do edifício serão amplificados, com os quais a performer irá interagir.